Quem é Caboclo da Umbanda?
Quando os Caboclos incorporam nos médiuns, eles bradam e gesticulam, muitas vezes, como se atirassem flechas. São quietos e sérios, dando respostas diretas e sem rodeios às perguntas dos consulentes que os procuram. É uma das linhas de Umbanda mais guerreiras, devido à sua conexão com Oxóssi, o Orixá guerreiro das matas.
Foi o Caboclo das Sete Encruzilhadas quem, em 1908, orientou a criação do primeiro terreiro de Umbanda, já que ele e seus companheiros espirituais não foram bem vindos por médiuns espíritas, que os consideraram espíritos atrasados, por conta de seu jeito simples de falar. Sua fala é realmente simples, mas clara e eficaz. Palavras complicadas não garantem eficiência nem evolução espiritual.
Tenha em mente, porém, que o que caracteriza a Umbanda (suas entidades, práticas e rituais) já existia, antes de sua consolidação como religião, em 1908. Um exemplo para melhor entendimento é que a incorporação de espíritos já existia, antes da estruturação do Espiritismo como doutrina religiosa por Kardec, em 1857. Nesse artigo, falaremos sobre os principais aspectos dos Caboclos na religião Umbanda. Confira!
Aspectos gerais sobre Caboclo
É comum associarmos as entidades Caboclo à etnia de mesmo nome, mas nem todas elas desta linha são caboclos. Confuso? Veja abaixo a diferença entre entidade e etnia, além de outras características sobre o Caboclo!
■Diferença entre “caboclo” etnia e Caboclo da Umbanda
Quando se fala em caboclo no sentido de etnia, trata-se dos filhos de povos originários (erroneamente chamados de "índios") com brancos. Já na Umbanda, Caboclo é um tipo de entidade que trabalha com as forças da natureza e os saberes ancestrais dos povos originários (às vezes, também chamados de povos autóctones ou indígenas).
Em suas vidas, os Caboclos podem ou não ter sido caboclos (etnia) ou autóctones que, ao desencarnar, passaram a trabalhar auxiliando os encarnados na evolução espiritual. Eles faziam isso através da reaproximação com a natureza, tanto do meio ambiente quanto da nossa própria natureza, muitas vezes, deixada de lado por conta do ritmo acelerado de nossas vidas.
Mas por que não chamá-los simplesmente de índios? Exatamente por ser simplista demais: atualmente, existem mais de 250 povos originários no Brasil, com culturas, línguas e costumes diferentes. Chamar todos eles de índios seria como classificar a todos eles como iguais.
■Candomblé de Caboclo
Surgido na Bahia por volta do século XVIII, Candomblé de Caboclo são linhas de Candomblé que, além de prestar culto aos Orixás, Voduns ou Inquices, cultuam também os Caboclos. Existem dois tipos de Caboclo: de pena e de couro.
Caboclos de Pena foram os indígenas de povos que viviam da pesca e da caça e que usavam penachos, cocares e colares. Já os Caboclos de Couro, também chamados de Boiadeiros, são os espíritos de vaqueiros ou boiadeiros que usavam vestimentas de couro. Ambos trabalham com o aconselhamento daqueles que os buscam, muitas vezes, indicando banhos e defumações com ervas.
Os Boiadeiros trabalham também com o “arrebanhamento” dos espíritos perdidos, levando-os aos locais onde podem encontram a ajuda que precisam.
■Entidades da direita na Umbanda
Na Umbanda, existem dois campos de atuação das entidades: direita e esquerda. As entidades de esquerda trabalham com fatores consumidores, absorvendo vícios, desequilíbrios e negatividade, por exemplo. Já a direita trabalha com fatores irradiadores, reestruturando e curando.
No entanto, algumas entidades podem se adaptar e trabalhar com fatores da esquerda, praticamente trilhando o caminho do meio. Por exemplo, algumas das entidades da direita na Umbanda são os Pretos-Velhos, Baianos, Erês, Marinheiros, Ciganos e Caboclos.
■Caboclos, Oxóssi e as matas
Oxóssi é o Orixá das matas, dos animais, da fartura e da caça. Quando se fala em caça, quer-se dizer toda a busca por objetivos em geral, não apenas do ato de caçar animais. Ele é um guerreiro sábio, em sintonia com a natureza e com tudo o que é natural, inclusive a dança, o canto e as artes plásticas. É também o Rei do Trono do Conhecimento e o Rei das Matas.
É Oxóssi quem provê o alimento, além de ser um amante da contemplação. Então, ao mesmo tempo em que este Orixá rege a busca pelo sustento, também rege os momentos de contemplação artística ou o simples nada fazer, lembrando-nos de reservar momentos de prazer em nosso dia a dia.
Os Caboclos estão nas mais diversas linhas de Orixás, mas todos estão ligados primeiramente a Oxóssi, por conta de sua ligação forte com as matas, os bosques e as florestas. No Brasil, Oxóssi é sincretizado a São Sebastião, na região Centro-Sul; a São Jorge, na Bahia, e a Arcanjo Miguel, em Pernambuco. Sua data comemorativa é dia 20 de janeiro.
■Características dos Caboclos
Entidades de luz e sabedoria trabalham na linha da direita e respondem primeiramente a Oxóssi. Atendem dando conselhos, passes e frequentemente indicam banhos de ervas e bate-folhas, embora isso não seja exclusivo destas entidades.
Trabalham com a cura e desenvolvimento espiritual dos encarnados, estimulando-os a seguir o caminho da caridade.
As entidades do tipo Caboclo podem ou não terem sido indígenas, em alguma de suas encarnações. Para a Umbanda, as características fundamentais desses espíritos são a caridade, a humildade, a honra, o senso de dever e a lealdade, além de sabedoria e extenso conhecimento acerca das energias das plantas.
Caboclos e seus Orixás
Apesar de responderem primeiramente a Oxóssi, existem Caboclos de todas as linhas de Orixás. Alguns conseguem até trabalhar com todas as sete vibrações energéticas, como o Caboclo Sete Flechas. A seguir, veja suas áreas de trabalho e os nomes mais comuns, além de histórias relacionadas a alguns deles!
■Caboclas de Iemanjá
Assim como Iemanjá, Caboclas são amorosas e espertas. Trabalham com purificação espiritual, desmanchando energia negativa e protegendo aqueles que passam por dificuldades. Seus nomes costumam ser Cabocla da Praia, Diloé, Sol Nascente, Sete Ondas, Estrela do Mar, Jaci, Jacira, Guaraciaba, Janaína, Jandira, Jurema da Praia.
A Cabocla Jandira atua com a cura e a limpeza da aura de seus consulentes, oferecendo bons conselhos no processo. A Cabocla Jurema é uma entidade evocada tanto por indígenas quanto por umbandistas e herdeiros do Catimbó. Por conta disso, pode se apresentar como uma jovem negra, indígena ou cabocla. Suas falangeiras trabalham na linha de vários Orixás e seus nomes ajudam a identificar cada linha.
A Cabocla Jurema da Praia, por exemplo, trabalha na linha de Iemanjá, equilibrando os campos mental e sentimental dos aflitos que as buscam.
■Caboclas de Iansã
Diretas e inspiradoras, as Caboclas de Iansã costumam trabalhar com assuntos relacionados à prosperidade e descarregos. Os nomes mais comuns são Batira, Jussara, Jurema Preta, Poti, Potira, Japotira, Ivotice, Valquíria, Maíra, Raio de Luz, Talina, Palina.
A falange da Cabocla Jurema Preta é composta de feiticeiras poderosas, que trabalham auxiliando na evolução de seus consulentes, além de transformar energias ruins e multiplicar as boas.
■Caboclas de Nanã
Geralmente mais contidas, as Caboclas de Nanã não dançam e trabalham aconselhando e mostrando o karma. Normalmente, carregam os nomes Paraquassu, Assucena, Inaíra, Juçanã, Xista, Sumarajé, Janira, Muraquitan, Juraci, Jutira, Luana, Jurema Mestra.
A Cabocla Inaíra, com sua força e sabedoria, trabalha com a remoção de obstáculos que dificultem a evolução espiritual.
Já a Cabocla Jurema Mestra, quando incorporada, possui trejeitos semelhantes aos de Pretas-Velhas. Possui vasto conhecimento mágico e de ervas, além de ser uma ótima contadora de histórias, devido à sua experiência de várias encarnações. Trabalha trazendo equilíbrio e sabedoria aos seus consulentes.
■Caboclas de Oxum
Nos terreiros, as Caboclas de Oxum rodam muito e costumam falar suave. Elas trabalham com questões energéticas e doenças psíquicas, como desânimo e depressão. Seus passes podem ser tanto de dispersão quando de energização. Seus nomes podem ser Iracema, Imaiá Jaceguaia, Jurema da Cachoeira, Juruena, Jupira, Jandaia, Araguaia, Estrela da Manhã, Tunué, Mirini e Suê.
A Cabocla Estrela da Manhã trabalha principalmente com a dissipação de miasmas e sentimentos negativos, como intolerância e mágoas. Já a Cabocla Jurema da Cachoeira prefere trabalhar no auxílio de relações pessoais, no convívio social e em problemas financeiros de seus consulentes.
■Caboclos de Oxóssi
Os Caboclos de Oxóssi são rápidos, gostam de dançar e indicam banhos e defumações. Seus nomes costumam ser Caboclo da Lua, Arruda, Aimoré, Boiadeiro, Ubá, Caçador, Arapuí, Japiassu, Junco Verde, Javari, Mata-Virgem, Pena Branca, Pena Dourada, Pena Verde, Pena Azul, Rompe-folha, Rei da Mata, Guarani, Sete Flechas, Flecheiro, Folha Verde, Tupinambá, Tupaíba, Jupiara, Tapuia, Serra Azul, Paraguassu, Sete Encruzilhadas.
Uma das histórias do Caboclo Sete Flechas se origina de um indígena do grupo Pataxó, na região onde, hoje, é a Bahia. Apesar de ele pertencer à linha de Oxóssi, esta entidade pode atuar em qualquer uma das sete linhas dos Orixás, já que ele recebeu uma flecha de cada um da Umbanda, por ordem de Oxalá.
Já um dos Caboclos Pena Branca tem sua história ligada à época da chegada dos portugueses ao Brasil, quando ele era um cacique Tupinambá. Foi um dos porta-vozes entre os nativos e os portugueses, aprendendo, assim, a falar sua língua. Ele trabalha com curas espirituais e é reconhecido como aquele que carrega o conhecimento da religião Umbanda. Caboclos Pena Branca também são populares em cultos mexicanos e do Caribe.
■Caboclos de Ogum
As entidades Caboclos de Ogum trabalham dando ânimo e ajudando em questões profissionais. São rápidos e não gostam de enrolações. Seus nomes podem ser Águia Branca, Águia Dourada, Águia Solitária, Rompe-Ferro, Rompe-Aço, Arariboia, Beira-Mar, Caboclo da Mata, Icaraí, Caiçaras Guaraci, Ipojucan, Itapoã, Jaguará, Rompe-Mato, Rompe-Nuvem, Sete Matas, Sete Ondas, Tamoio, Tabajara, Tupuruplata, Ubirajara.
O Caboclo Rompe-Mato foi associado ao povo Guaicuru, que vivia na região do Mato Grosso do Sul. Estes eram guerreiros e sabiam usar cavalos e lanças em batalhas, permanecendo invictos, até o século XIX. O Caboclo Rompe-Mato tem grande poder de cura, principalmente em questões ligadas a equilíbrio e harmonia.
Já o Caboclo Arariboia pode ter uma de suas histórias de origem associada a um dos chefes dos Temiminós. Foi um grande estrategista e guerreiro que auxiliou os portugueses nos conflitos contra os Tamoios, estes aliados aos franceses, em 1567.
■Caboclos de Omulu
Os Caboclos de Omulu se movimentam pouco, mas são impacientes. Eles trabalham com dores físicas, mentais e espirituais. São chamados Arranca-Toco, Acuré, Aimbiré, Bugre, Guiné, Gira-Mundo, Iucatan, Jupuri, Uiratan, Alho-d’água, Laçador, Roxo, Grajaúna, Bacuí, Piraí, Suri, Serra Verde, Serra Negra, Tira-teima, Sete Águias, Tibiriçá, Vira-Mundo.
O Caboclo Guiné tem amplo entendimento das ervas, principalmente da Guiné. Por ter seu nome ligado a uma erva de descarrego, este Caboclo atua na desobsessão, usando seu conhecimento da magia bantu.
■Caboclos de Xangô
De jeito contido, porém rápido, os Caboclos de Xangô trabalham com questões relacionadas a emprego, realizações e injustiça.
Seus nomes são Araúna, Cajá, Caramuru, Cobra Coral, Caboclo do Sol, Girassol, Guaraná, Guará, Goitacaz, Jupará, Janguar, Rompe-Serra, Sete Caminhos, Sete Cachoeiras, Sete Montanhas, Sete Estrelas, Sete Luas, Tupi, Tupiara, Tupã, Treme-Terra, Sultão das Matas, Cachoeirinha, Mirim, Urubatão da Guia, Urubatão, Ubiratan, Cholapur.
Uma das histórias de origem do Caboclo Cobra Coral é a de que ele foi um asteca pré-colombiano. Ele tem esse nome por conta da pintura que fazia em seu rosto nas cores branca, preta e vermelha. Às vezes, é chamado de “o grande feiticeiro do cajado de cobra”, por seu domínios sobre os quatro elementos e por carregar uma cobra em uma de suas mãos.
O Caboclo Ventania age com a movimentação e renovação de energias, tanto do espaço religioso quanto do astral. O Caboclo Pedra-Branca atua opinando sobre causas consideradas justas, comandando tropas de outros Caboclos Pedra, para se assegurar de que os envolvidos na causa façam suas partes. Já o Caboclo Tupiara atua trazendo justiça e equilíbrio emocional.
Para se relacionar com Caboclo
Para se aproximar da energia do Caboclo, basta respeitar a natureza e seguir o caminho da bondade, seja consigo mesmo, seja com o próximo.
No caso de oferendas para Caboclo, tenha em mente que estes recebem velas e charutos em número par, para trabalhos materiais, como cura física e emprego, e em número ímpar destes mesmos itens, para trabalhos espirituais.
Como cada Orixá e cada Guia possuem peculiaridades próprias, toda a oferenda deve ser supervisionada por um Pai, uma Mãe de Santo ou outro graduado dentro da Umbanda. Além disso, uma oferenda sem propósito pode mais atrapalhar do que ajudar. Abaixo, veja alguns itens preferidos por Caboclos em geral!
■Comidas
Para os Caboclos, entre as oferendas com comidas mais comuns, estão o milho cozido ou assado, a mandioca cozida e a polpa de coco, além de outras verduras, legumes, frutas e raízes.
■Bebidas
Cada entidade possui uma bebida favorita, mas a mais característica para os Caboclos é o vinho adoçado com mel. Podem também pedir água de coco e até cerveja clara, além de água da fonte e suco de frutas.
■Flores
As flores ofertadas aos Caboclos são as mesmas ofertadas a Oxóssi: Margaridas, Violetas, Hortênsias, Azaleias, Tulipas, Girassóis, Dentes de Leão, dentre outras flores de campo. Além destas, pode-se ofertar flores de outros orixás alinhados às linhas de trabalho de cada Caboclo.
Já as oferendas de flores para Boiadeiros costumam ser flores de Cactos, Cravos, Tulipas e Crisântemos amarelos.
■Saudação
A saudação para as entidades dos Caboclos deve ser: “Okê Caboclo!”, que significa “Salve Caboclo!”.
■Cores
As cores que representam os Caboclos são o vermelho, o verde e o branco, mas pode ser que algumas entidades possuam uma cor diferente, como o amarelo.
■Outras oferendas
Outras oferendas para Caboclos podem incluir itens ligados a eles, como penas, dentes e garras de animais, sementes, pedras, velas, cachimbos e charutos, além de chapéus de couro, no caso dos Boiadeiros.
O que os Caboclos desejam nos ensinar?
O Caboclo representa um arquétipo de pessoa madura, porém não idosa, ainda com força e vigor para sair em busca de seus objetivos. Nas consultas, eles fazem os consulentes entenderem as ações e os caminhos errados que tomaram, questões que os afastam dos objetivos desejados.
Usando da sabedoria da natureza e dos povos originários, os Caboclos buscam nos ensinar o amor próprio, ao próximo e à natureza, que, além de prover nosso alimento, é a nossa casa. Também nos auxiliam na compreensão de nossos próprios sentimentos em relação à vida e ao trabalho, levando embora mágoas e outros sentimentos que não nos servem mais.
Historiador não-praticante em busca de conhecimento e um pedaço de paz no meio do mato.