Você sabia que São Jorge é Ogum na Umbanda e no Candomblé?
A correlação entre Deuses de diferentes panteões acontece há tempos. Veja por exemplo, os Deuses gregos e romanos: Zeus era Júpiter, Ares era Marte e Ártemis era Diana. Da mesma forma, o panteão africano também se adaptou ao cristão, gerando relações como a de Ogum e São Jorge.
Claro que, a depender de cada região, podem apresentar algumas diferenças. Isso acontece por causa das diferentes etnias e interpretações. Por exemplo, Ogum é considerado como São Jorge na maior parte do país, porém na Bahia, ele é Santo Antônio. Entenda melhor quem é esse poderoso Orixá e seu sincretismo com o catolicismo.
Fundamentos do sincretismo entre São Jorge e Ogum
Primeiro de tudo, é fundamental entender o que é esse tal sincretismo religioso que tanto falam. Além disso, associar ao processo de colonização vai te ajudar a compreender melhor o porquê de ele existir. Veja esses detalhes fundamentais, que já explicam muitas das dúvidas que você deve ter.
■O que é sincretismo?
Em linhas gerais, o sincretismo é a união dos elementos de diferentes cultos ou doutrinas, como por exemplo, a matriz africana e o catolicismo. Ela acontece através da associação entre as deidades, nas práticas e até locais de oração ou contemplação.
Um bom exemplo é a lavagem do Senhor do Bonfim, na Bahia. Baianas da tradição africana – seja Umbanda ou Candomblé – lavam as escadarias da Igreja do Bonfim e dão banho de pipoca nos fiéis. Práticas unidas, com celebração de missa pelo padre católico e batida de atabaque.
■O sincretismo e a colonização
O sincretismo religioso pode acontecer por diversos motivos, entre eles a aculturação de povos ou até mesmo imposição e necessidade de sobrevivência. No processo de colonização do Brasil, infelizmente o povo africano era trazido como escravo e muitas vezes se via obrigado a abandonar sua cultura e crenças, “aceitando” o catolicismo.
Uma forma de driblar essa imposição dos Senhores e da igreja era associar os Santos católicos aos seus Orixás. E foi assim que se desenvolveu o sincretismo entre essas duas religiões, mantendo-se até os dias de hoje. Entre os mais conhecidos, celebrados na música e no imaginário popular, está a fusão entre Ogum e São Jorge.
Aspectos sobre São Jorge
Para a igreja católica, São Jorge é um dos santos guerreiros e patrono de diversas cidades – como o Rio de Janeiro e Barcelona – e países em todo o mundo. Para você ter uma ideia, Portugal, Inglaterra, Lituânia, Gênova e muitos outros o tem como símbolo católico. Conheça um pouco mais sobre o santo, sua história e a famosa lenda do dragão.
■Dia de São Jorge
O dia de São Jorge é comemorado em 23 de abril, sendo feriado no Rio de Janeiro e sendo uma data comemorada em diversos países ao redor do globo. Ele é celebrado no dia da sua morte, no ano de 303 d.C.
■História de São Jorge
Jorge nasceu na Capadócia e se mudou para a Palestina com sua família. Ainda adolescente, tornou-se militar e aos 23 anos já fazia parte da corte imperial, tamanha era sua bravura. Quando lhe foi ordenado deixar o cristianismo e adorar os Deuses romanos, ele resistiu.
Doou sua fortuna para os mais pobres e renegou o panteão romano, sendo torturado diversas vezes. Sua força foi tanta que a própria rainha se converteu ao cristianismo. Então ele foi degolado, mas não sem receber antes o reconhecimento do povo.
■São Jorge e a lenda do dragão
A história do bravo guerreiro Jorge transformou-se em São Jorge e, como não poderia deixar de ser, várias lendas foram contadas sobre ele. Entre elas, a da luta com um dragão que ameaçava uma cidade, devorando todas as donzelas locais.
Foi então que um aldeão distante, Jorge, surgiu em um cavalo branco e salvou a última donzela da cidade, filha da rainha e do rei. Seu pai não queria o casamento por ele ser cristão, mas a princesa fugiu com ele e viveram de forma próspera e feliz.
Aspectos sobre Ogum
Ogum é um Orixá guerreiro e temperamental, porém justo e sábio. Ele detém o dom de trabalhar os metais e carrega consigo uma lança ou espada e um escudo, abrindo caminhos e combatendo o mal. Existem várias qualidades de Ogum, a depender de qual região da África venha sua história.
Seu elemento é o Ar e sua irradiação magnetizadora. Entre os mais conhecidos estão Ogum Akoró (ligado a Oxalá), Mejé (ligado a Exu), Waris (Oxum), Oniré (Senhor do Irê), Amené (também ligado a Oxum), Ogunjá e Alagbedé (ambos ligados à Yemanjá). Conheça um pouco mais sobre esse poderoso Orixá.
■Dia de Ogum
O dia em que se comemora Ogum é o mesmo de São Jorge, 23 de abril e seu dia da semana é terça-feira. Nessa data, costuma-se preparar oferendas para o Orixá e repensar os próprios caminhos. É um momento de reflexão e planejamento, escolhendo as armas para as batalhas escolhidas por você.
■História de Ogum
Ogum é filho de Yemanjá e irmão de Exu e Oxóssi, é um bravo guerreiro, que protege seus filhos e abre caminhos, levando abundância e prosperidade. Ele é o Senhor das estradas e do ferro, trabalhando como ferreiro, ofício passado para ajudar os homens na vitória e na agricultura.
Ele foi o primeiro Orixá a visitar o Ile Aiye, ou Terra. Seu objetivo era prover as melhores condições para que os seres humanos pudessem sobreviver. Por causa disso, passou a ser reconhecido também como Oriki ou Osin Imole, traduzido como primeiro orixá a vir para a Terra.
■Ogum e a lenda de como ele se tornou Orixá
Segundo a lenda oriunda da África, Ogum era um bravo guerreiro, filho de Odudua e sempre trazia a vitória para seu reino. E foi em um desses retornos que ele chegou durante um dia sagrado, mas ele não se lembrava, pois estava cansado e faminto.
Ninguém podia falar, beber ou comer. Ao chegar na cidade deserta, sem ser saudado ou recebido com o mínimo de alimentos ou bebidas, ele foi bater nas portas, sendo ignorado. Ficou então furioso e começou a destruir a cidade e matar os moradores.
Seu filho então chegou com bebidas, alimentos e roupas limpas. Foi quando Ogum percebeu que era o dia sagrado e o remorso tomou seu coração. Depois de dias se lamentando, ele pegou sua espada ainda suja de sangue e a cravou no chão. Foi então que ele abriu uma cratera no chão e passou para o céu dos Deuses, tornando-se um Orixá.
Sincretismo entre São Jorge e Ogum
Há um forte sincretismo entre Ogum e São Jorge em todo o Brasil - lembrando que na Bahia o Orixá é relacionado a Santo Antônio. Veja quais são as semelhanças e principais distanciamentos entre essas duas figuras marcantes.
■Semelhanças
O sincretismo religioso entre o panteão africano e o cristianismo conta com as semelhanças entre alguns traços marcantes dos seus personagens. Dessa forma, é correto apontar que a principal característica que une Ogum a São Jorge é sua bravura e a luta pelos seus.
As principais semelhanças entre o Santo e o Orixá são sua força, coragem e senso de justiça. Ambos lutam pelo que acham justo e pelos seus semelhantes, tornando-se líderes em sua primeira fase e mártires depois da passagem para a iluminação.
■Distanciamentos
Da mesma forma que há semelhanças claras entre as histórias de São Jorge e Ogum, também há distanciamentos claros. São eles que mostram as diferenças entre as personalidades, como por exemplo, a cólera e a vaidade.
Enquanto a lenda de Ogum mostra um acesso de fúria, matando seu próprio povo, São Jorge não cedeu à tortura até a morte. Ogum também era vaidoso e gostava de festas e de se relacionar, já São Jorge era casto e doou sua fortuna para o povo – a não ser na lenda do dragão, onde se casa com a princesa.
Não aceitação do sincretismo entre São Jorge e Ogum
Da mesma forma em que há os que apoiam o sincretismo, há também quem prefira manter sua fé na forma original. Veja o que cada lado argumenta contra a relação com o catolicismo.
■Pela Umbanda e Candomblé
Certamente, apesar de ser cada dia mais comum encontrar pessoas que unam diversas liturgias, há quem não aceite mistura ou mais de uma interpretação. Um bom exemplo é uma questão antiga entre a Umbanda e o Candomblé sobre quem é o santo correspondente, pois para os baianos, Ogum é na realidade Santo Antônio e São Jorge é Oxóssi.
Ambas as religiões são fruto da união de nações e credos distintos, oriundos da África. Dessa forma, o sincretismo está em sua essência. Porém, há também quem seja mais purista e não aceite o sincretismo com o credo dos colonizadores, através de uma postura mais irredutível.
■Pelo Catolicismo
Enquanto que há linhas mais puristas nas tradições africanas, também existem católicos mais resistentes a essa união das culturas e credos. Talvez não percebam que não é preciso adotar a fé do outro, apenas aceitar como mais uma interpretação do que o Sagrado é para cada um.
Há uma parte da igreja católica que não apoia o sincretismo ou quaisquer outras práticas similares. Mais ortodoxa, ela acredita apenas nos ensinamentos da bíblia e nos santos católicos, dispensando qualquer ligação com o panteão africano.
Oração de São Jorge e Ogum
Se tem uma coisa que ambas as tradições têm em comum é a oração. Claro que cada uma da sua forma, mas ela está presente. Conheça então as mais conhecidas de São Jorge e de Ogum.
■Oração de São Jorge
A oração de São Jorge é também utilizada para Ogum, apenas trocando os termos. Muito conhecida, está presenta na MPB e faz parte do repertório popular. Conheça essa poderosa prece de proteção:
Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge.
Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem,
Tendo mãos não me peguem,
Tendo olhos não me enxerguem
E nem pensamentos eles possam me fazerem mal.
Armas de fogo meu corpo não o alcançarão,
Facas e lanças se quebrarão sem ao meu corpo chegar,
Cordas e correntes se arrebentarão sem o meu corpo amarrarem.
Glorioso São Jorge, em nome de Deus,
Me estenda o seu escudo e as suas poderosas anulas,
Defendendo-me com a sua força e com a sua grandeza,
Do poder dos meus inimigos carnais e espirituais e de todas suas más influências.
E que debaixo das patas de seu fiel ginete,
Meus inimigos fiquem humildes e submissos a vós,
Sem se atreverem a ter um olhar sequer que me possa prejudicar.
Assim seja, com o poder de Deus e de Jesus e da falange do divino Espírito Santo.
Amém.
■Oração de Ogum
Ogum compartilha a mesma oração de São Jorge, dado o sincretismo, mas é claro que existem diversas orações voltadas somente para o Orixá. Entre elas, estão os pontos, que também são orações, porém cantadas. Repetidas como mantras – só que muito mais animados – os pontos são de uma força incrível. Conheça um dos diversos pontos de Ogum:
Nesta casa de guerreiro
Vim de longe pra rezar
Rogo a Deus pelos doentes
Na fé de Obatalá
Ogum salve a Casa Santa
Os presentes e os ausentes
Salve nossas esperanças
Salve os velhos e crianças
Nego veio e ensinou
Na cartilha de Aruanda
E Ogum não esqueceu
Como vencer a Quimbanda
A tristeza foi embora
Na espada de um guerreiro
E a luz no romper da aurora
Vai brilhar neste terreiro.
Patacori Ogum! Ogunhê meu Pai!
O sincretismo entre São Jorge e Ogum é válido?
Toda e qualquer fé é válida, desde que tenha o respeito pela vida e busque a evolução, o religar de fato. Então, certamente o sincretismo nascido nas colônias e propagada por gerações tem sua validade ainda hoje.
Se ao orar para um Santo ou Orixá, seu coração está voltado para o Sagrado – independente como você o chama, está perfeito. O sincretismo só aproxima ainda mais as pessoas e seus credos, dirigindo cada vez mais nosso olhar para a grande criação. Aproveite para conhecer o mais famoso ponto de Ogum, Vencedor de Demandas:
Sempre à procura da resposta da vida, do universo e tudo mais (ok, 42... então da pergunta), sou redatora sênior, um tanto nerd e apaixonada pela escrita. Com graduação em Adm e Marketing, acredito na magia através das palavras, criando mundos e buscando soluções para os pequenos grandes desafios diários.